No dia 13 de agosto a Gibiteca de Fortaleza inicia a programação “Quadrinhos em Debate” com o tema: O Mito do Herói nos Quadrinhos. Apresentado pelo jornalista, sociólogo e escritor Dellano Rios. O evento Quadrinhos em Debate é uma iniciativa do Fórum de Quadrinhos do Ceará e Biblioteca Dollor Barreira, onde especialistas de diversas áreas abordarão conceitos, símbolos e representações dentro do universo das histórias em quadrinhos.
Como uma prévia do Debate, Dellano Rios concedeu uma breve entrevista ao Laboratório Espacial. Acompanhe.
Dellano, esse negócio de heroísmo é uma novidade dos tempos modernos ou é coisa antiga?
O heroísmo é um valor antigo, exaltado, por exemplo, na Idade Média, como se vê nas novelas de cavalaria, nas aventuras do Rei Arthur, de Carlos Magno, etc. É uma ideia que tem a ver com o conceito de bravura e está ligado a defesa de causas (ou de pessoas), em que o herói alcança seus limites. Em alguns casos, aliás, chega a passar deles e morre, como mártir. Os heróis, tal qual os conhecemos nas histórias em quadrinhos, ganham, também, muito dos semi-deuses, figuras mais próximas dos homens que os próprios deuses e, ao mesmo tempo, menos poderosos que esses. Afinal, quem vence tudo sem dificuldades não é exatemente alguém que faz atos heróicos.
O Herói assumindo a figura de salvador por um lado estimula a esperança e pode inspirar as pessoas, mas por outro lado pode acabar trazendo uma comodidade, não é? Explico: Ao invés de estimular o herói em cada um, o mito pode funcionar como fator de acomodação fazendo as pessoas esperarem que alguém surja para tomar as ações em seu lugar e conduzir a situação sem que elas precisem agir… Esse tipo de personificação do “salvador da pátria” parece recorrente na política, não é?
Isso tem a ver com o componente político e ideológico da figura do herói. Primeiro, acredito que, mais que esperar por um herói, as pessoas lembram dele. Históricamente, os feitos de uma pessoa vão aumentando a medida que a história se espalha. É como a brincadeira do telefone sem fio e o conto infantil do alfaiate valente (que matou alguns mosquitos de um golpe só e acabou sendo creditado como matador de gigantes). Então, o herói pode ser uma figura que inspira, que faz como as pessoas queriam reviver as glórias de seu povo, de seu grupó social. E também pode ser isto, esta figura que protege (e secretamente) oprime. É o caso de certos líderes políticos. Hitler, por exemplo, tirou a Alemanha do buraco em que estava depois da I Guerra Mundial. Em certo sentido, salvou a pátria – às custas de ações violentas contra seus “inimigos” e contra os “sabotadores”. Para alguns, a carnificina que cometeu era um ato de heroismo patriótico.
No Brasil o “herói avacalhado” é um tema recorrente, por um lado isso reflete o senso crítico e o humor do brasileiro e até surgir o Capitão Nascimento não se levava a sério um herói que seguisse as regras e possuísse uma clara distinção entre o que é certo e o que é errado. O Capitão Nascimento (herói ou anti-herói) é reflexo de um novo Brasil?
Na minha opinião, o Capitão Nascimento, como herói, é uma grande sacada. Os heróis da cultura pop floresceram nos EUA porque a cultura deles sempre tem um inimigo, um “vilão” bem definido. Primeiro os nazistas (o Eixo), depois os russos, hoje os chineses e os árabes. Seus supervilões são figuras que ameaçam a paz dos cidadãos, como os terroristas. Daí, também, eles terem demonizado os aliens (o alien é um estrangeiro, lembre-se). No Brasil, há muito que achamos que nossos problemas são internos, de corrupção e de crime, sobretudo. E são esses os vilões que o Capitão Nascimento combate. Se voltarmos no tempo, vamos ver que tivemos outros heróis policiais, como o Vigilante Rodoviário. Pra mim (e isso é uma opinião), acho que só não tivemos mais heróis policiais porque, na Ditadura Militar e depois dela, o policial tornou-se uma figura ambígua, senão vilanesca. O militar não era bem um defensor da pátria, mas alguém que oprimia o povo em favor dos poderosos. E talvez o Capitão Nascimento tenha a ver com um certo esquecimento desta época.
Como você vê o amadurecimento das temáticas nos quadrinhos de heróis? Essa migração do público infanto-juvenil para o adulto não mina a formação de leitores para os quadrinhos de amanhã?
Acho que esse amadurecimento é positivo, no sentido que ele reflete que os leitores cresceram e não têm vergonha de dizer que gostam de HQs. E se os pequenos leitores leem menos gibis é reflexo deste tempo, que passamos mais tempo na frente do PC, dos videogames ou da TV. O mangá, no caso brasileiro, deu uma aquecida neste mercado de leitores mais jovens. E, pra mim, o grande inimigo na formação de novos leitores para os quadrinhos ainda é o preconceito. Hoje, as HQs podem até ser aceitas na escola, incentivadas por país, mas sempre na condição de uma leitura menor, como uma porta de entrada para o mundo dos livros. Não como um fim em si. Por isso, todo apaixonado pelas HQs tem que ser um militante da causa e fazer seu dever de casa, na própria casa.
Com o desenvolvimento galopante da tecnologia de efeitos especiais os super-poderes deixaram de ser desafio para os produtores de cinema, mas poucos são os filmes de heróis que agradam leigos e iniciados…O que é que falta?
Boas histórias e bons diretores. E também entender que cinema não é HQ e vice-versa. Porque algumas coisas até colam num gibi, mas em “carne-e-osso” ficam meio ridículas. Exemplo: o Aranha, adolescente, inventando suas teias, como uma fórmula indecifrável como a da Coca-Cola. Mas acho que o essencial é uma boa história. Senão fica igual aquele gibi ruim que você só compra porque é fã do desenhista.
Dellano, obrigado pela entrevista e o papo continuará lá na Gibiteca de Fortaleza no sábado, 13 de agosto, não é?
Sim, vamos ampliar essa discussão por lá. O melhor lugar para uma palestra que pode existir: se o palestrante for um chato, você dá poucos passos e vai ler um gibi mais interessante!
Quadrinhos em Debate
O Mito do Herói nos Quadrinhos
(Convidado especial: Dellano Rios)
13/Agosto – 14h 30min
Gibiteca de Fortaleza
Biblioteca Municipal Dollor Barreira
Av. da Universidade, 2572
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