segunda-feira, 20 de junho de 2022

Cavaleiro das Trevas (uma resenha crítica de Gian Danton)













PARTE 01 ( Por Gian Danton)

No início da década de 1980, Frank Miller era o grande nome dos quadrinhos americanos. Depois de salvar a revista do Demolidor do cancelamento, transformando-a num campeão de vendas, ele foi contratado para a DC Comics na qualidade de astro.

Seu primeiro trabalho para a editora, Ronin, foi aplaudido pela crítica, fez sucesso e abriu as portas para a invasão dos mangás, mas não chegou a ser algo bombástico. O grande sucesso mesmo viria com a minissérie Batman - Cavaleiro das Trevas, de 1986 (veja no box alguns fatos marcantes deste ano).















Cavaleiro das Trevas foi um arrasa-quarteirão que mudaria para sempre a história dos quadrinhos de super-heróis, a começar pelo formato de luxo em que foi lançado, chamando atenção dos leitores adultos e da imprensa.

A história se passa em um futuro em que os super-heróis foram proibidos. Aposentado após a morte de seu parceiro Robin, Bruce Wayne é um homem amargurado pelos fantasmas do passado e pela percepção de que a cidade que protegeu durante anos está se transformando em um completo caos de violência urbana.

Sua volta à ação marca também o retorno dos vilões Duas Caras e Coringa e a tensão com o Super-Homem, o único herói com autorização para agir.

Miller foi revolucionário em tudo, a começar pela forma de contar a história, usando e abusando das elipses. Elipses são pulos na narrativa, partes não mostradas pelo quadrinista e que são completadas pelo leitor. Os quadrinhos usam as elipses o tempo todo: o personagem se levanta da cadeira, no quadro seguinte está na porta de casa: todo o trajeto entre uma ação e outra é completado pela imaginação do leitor. Miller levou o recurso a patamares nunca explorados em especial na sequência em que o Batman volta à ação: o leitor nunca vê o herói, e sim as consequências de sua ação. Quando ele finalmente surge é numa grandiosa Splash Page, de enorme impacto. (nota: Splash Page é uma página onde o quadrinho toma a página inteira).

Outra revolução de Miller foi introduzir quadros televisivos como elementos narrativos. Após vermos Batman pela primeira vez, por exemplo, as telas mostram pessoas comuns comentando sua aparição. Além disso, a narrativa televisiva muitas vezes ajudando o leitor a entender as elipses – exemplo disso é a mulher cuja bolsa é revistada pela gangue mutante e que sai feliz ao descobrir que não foi roubada – na sequência, uma jornalista informa: “Mulher explode numa estação de metrô! Noticiário completo às onze...”.

As telas de televisão também funcionam como um acréscimo de aprofundamento ao mostrar debates sobre a ação do herói. É nesses inserts que Miller irá colocar uma das questões mais interessantes da obra: seriam os vilões uma consequência dos super-heróis? Ou seria o contrário? A obra não dá respostas fáceis, deixando muito mais perguntas que certezas.

Outra inovação de Miller foi mostrar o Batman como alguém que capaz de qualquer coisa para conseguir seus objetivos – inclusive usar uma criança como aliada no combate ao crime ou torturar um bandido para conseguir uma informação. Maníaco? Visionário? Herói? Vilão? Junto com A Piada Mortal, de Alan Moore e Brian Bolland, Cavaleiro das Trevas transformou o Batman em um herói tridimensional, um dos mais complexos do universo DC.












Miller continuou sua abordagem sobre o personagem em uma outra série, Batman Ano Um, com desenhos de David Mazzuchelli, em que contava os primeiros anos do herói. Como resultado, Batman se tornou o herói mais popular da época, uma verdadeira mania, com várias revistas derivadas e especiais.

No Brasil, Cavaleiro das Trevas foi a obra que inaugurou a era das Graphic Novels. O sucesso da série fez com que a Abril lançasse várias outras minisséries de luxo e até uma coleção, Graphic Novel, apenas com histórias fechadas, em papel couchê.



PARTE 02 (por JJ Marreiro) 

Originalmente publicada em  fevereiro de 1986 como uma mini-série em quatro partes. Chegou ao Brasil em março/abril de 1987. Em 1988 a Abril lança a versão encadernada (capa cartão). Em 1989 chega a segunda edição da versão encadernada ainda pela Ed Abril. 

Sempre referenciada ao lado de Watchmen e Miracleman, O Cavaleiro das Trevas, marca um tratamento sóbrio do gênero dos heróis uniformizados. A trama é bem construída, bem pensada, cada painel possui um sentido de ser e nenhuma palavra é desperdiçada, desde as onomatopeias às gírias empregadas pelos personagem, tudo em Cavaleiro das Trevas foi milimetricamente medido e cada tom de cor somou ao discurso noir ao clima distópico de uma metrópole sitiada pela violência urbana. 

As transições de quadros são fabulosas e favorecem uma experiência de leitura rica e envolvente. As combinações entre palavra e imagem completam-se para gerar uma terceira compreensão que transcende tanto a palavra quanto a imagem. Fica patente o esmero na elaboração desta mini-série: um traço numa estilização harmônica com a construção narrativa, uma arte-final coesa e objetiva, cores que colaboram na ambientação e na condição emocional da história. Uma trama lógica, coesa, com começo meio e fim numa abordagem que aprofunda o gênero e o trata com respeito. Bons diálogos e ótimas passagens de ação. Uma obra que possui conteúdo e superfície irretocáveis isto é mais do que se pode dizer de muitas obras (em qualquer manifestação artística).



DK2: The Dark Knight Strikes Again, a controversa mini-série de três edições que continua a saga do Morcego não-tão-aposentado foi lançada em dezembro de 2001. A mesma equipe criativa retorna implementando um aspecto visual diferente, experimental (no design e nas cores) o que desagradou a grande maioria dos fãs. O traço de Frank Miller mais cartunizado, menos refinado, um redesign exótico de personagens e as cores supersaturadas com uso exagerado de efeitos chamam mais atenção que a trama. Nem de longe esta "continuação" se alinha com o nível de qualidade técnica e filosófica da obra original. Citando Marcelo Cassaro, premiado roteirista e editor brasileiro: "Miller fez DK2 para que não houvesse um terceiro". A edição brasileira saiu em 2002. 

DKIII - Cavaleiro das Trevas III, mesmo com todas as críticas ao DK2, a máquina de dinheiro da DC Comics sabia que ainda havia muito a se explorar da obra original de Miller e já estava capitalizando em desenhos animados, estatuetas e infinitos colecionáveis baseados no trabalho original de Miller. Uma prova da baixíssima aceitação pública de DK2 é a inexistência de produtos agregados e esta mini-série. A Terceira parte chegou em 2016.E depois do desastre da parte 2, a editora cercou Miller de talentos para evitar outro fiasco. Para o desenho Andy Kubert, cujo traço é um dos mais potentes da atualidade e cuja narrativa segue a rica e criativa linha estabelecida pelo seu pai, o astro da era de prata dos quadrinhos, Joe Kubert. E, encarregado de evitar novos devaneios oníricos desconexos de Miller, um dos roteiristas TOP da DC: Brian Azarello. Embora o resultado seja visívelmente superior ao DK2 ainda fica devendo muito à potencia da obra original. Não é um quadrinho ruim de ler, aliás seria um razoável material para um título de linha. No entanto, para ser uma sequencia de Cavaleiro das Trevas o resultado é sem vivacidade, sem encanto, sem grandes recursos narrativos e absolutamente ausente de inspiração. A trama centrada numa invasão da Terra por Kandorianos, os habitantes da cidade engarrafada de Krypton. Uma falha gritante é ausência de protagonismo de Batman, isto sim: um crime.

Curiosamente, cada edição de DKIII é acompanhada por um mini-comic (uma revista fininha em formatinho) com capas e parte do material interno feito por Frank Miller. Isto deveria ser uma ampliação do universo do Cavaleiro das Trevas, mas também não logra êxito ficando restrito a "mais do mesmo". Aliás, menos do mesmo, pois são histórias fracas, algumas porcamente desenhadas.

Depois de tantos produtos e subprodutos ligados ao universo do morcego imaginado por Frank Miller é difícil pensar que a DC vai parar por aí. Aparições deste universo já foram vistas nas revistas de linha e possivelmente ganhem novos subprodutos, versões, expansões, talvez uma saga reunindo todas as revistas da editora centradas no universo do Cavaleiro das Trevas, sabe-se lá. O certo é que a DC nunca vai largar esse osso.



Batman - The Dark Knight Returns (wikipedia)
Capas das edições em português de Batman Cavaleiro das Trevas (Guia dos Quadrinhos)
DKR Trintão (Batdeira)
PODCAST Confins do Universo: Cavaleiro das Trevas 30 anos (UniversoHQ.com) 
Cavaleiro das Trevas Edição Definitiva (review UniversoHQ)
DK2 (review UniversoHQ)


IDEIAS DE JECA TATU (blog de Gian Danton)

http://roteiroquadrinhos.blogspot.com/

http://laboratorioespacial.blogspot.com/2010/10/o-astronauta-de-mauricio-de-sousa-por.html

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