sexta-feira, 6 de abril de 2018

Entrevista COMBO com Daniel Brandão



Daniel Brandão é Ilustrador, Quadrinhista, Jornalista, Arte-Educador, Empresário e Professor entre outras coisas. Com trabalhos publicados em pelo menos três continentes, participação em várias importantes coletâneas de quadrinhos nacionais (e organizador de algumas delas) o ativo produtor tem ajudado a formar desenhistas, ilustradores e contadores de história desde os anos 90. A entrevista a seguir inaugura um formato especial de entrevistas aqui no Laboratório Espacial. Duas entrevistas em uma a primeira conduzida por nosso enviado especial Jackson Jacko Silva e a segunda conduzida em áudio por este editor que vos escreve. Uma entrevista COMBO com um dos mais notáveis autores de quadrinhos do Ceará (E do Brasil).

—Como foi o começo de Daniel Brandão nos quadrinhos? Quando se deu o “bum” para deixar de lado a faculdade de Direito para se dedicar a quadrinhos?
Comecei a ler e gostar de quadrinhos muito cedo, ainda criança. Mais ou menos na mesma época desenvolvi meu gosto pelo desenho. Aos 9 anos, um amigo de condomínio me apresentou a Superaventuras Marvel e eu pirei com aquilo! Foi aí que passei a querer fazer quadrinhos. Tentava copiar todos aqueles mestres e criei meus primeiros personagens. Tudo com lápis, papel dobrado, uma esferográfica e lápis de cor.
Durante minha adolescência resolvi trilhar um caminho mais “tradicional” e fiz vestibular para Direito. Estava cursando o primeiro ano quando descobri a Oficina de Quadrinhos da UFC. Estava muito triste na faculdade e a Oficina me apresentou uma alternativa muito mais sedutora: trabalhar com quadrinhos. Ajudou muito o fato de eu ter conhecido outras pessoas com este mesmo sonho. Foi aí que eu decidi mudar meu caminho e tomar o rumo dos quadrinhos de maneira mais séria.

—Qual foi a maior dificuldade encontrada após a Oficina de Quadrinhos para seguir adiante com a ideia de produzir quadrinhos?
Acredito que me convencer de que fazer quadrinhos poderia mesmo ser um ofício já foi uma dificuldade. Porém convencer outras pessoas próximas foi um desafio maior ainda. Quero deixar claro que sempre tive apoio dos meus pais e da minha esposa Juliana, mas é claro que existia o medo. Decidir trabalhar com quadrinhos nos anos de 95/96 era um mergulho no escuro. Isso deu muito medo. Mas eu mergulhei. Tive essa coragem porque minha família me oferecia sempre um porto seguro.

—Onde entram nessa história, os outros dois membros dos “Impossíveis”, JJ Marreiro e Geraldo Borges. Como começou a amizade entre vocês? De quem foi a culpa? (risos)
O primeiro que conheci foi o JJ Marreiro na Oficina de Quadrinhos. Ele já era veterano lá, já publicava fanzines com o Zohrn e com a Guida Bismark. Ele chegou a me dar aula por lá. Sempre foi um cara muito carismático e gente boa. Um cara genial cheio de energia.
Pouco tempo depois, JJ e eu nos matriculamos no curso de quadrinhos do Al Rio. Entre uma turma e outra, cruzávamos com o Geraldo Borges. Outro cara espetacular que tinha um traço incrível. A energia dele sempre foi muito boa e logo surgiu empatia e muitas afinidades.
Eu nunca fui um exemplo de ser sociável. Era tímido e não fazia amizade com facilidade. O JJ foi o verdadeiro “culpado” da nossa amizade. Começamos a marcar uns encontros na casa do Jota para desenharmos. Era muito divertido.
Até que um dia eu conheci o Mino, ele abriu as portas para que eu trabalhasse com ele fazendo o Capitão Rapadura e me pediu para formar uma equipe. Lógico que eu chamei de cara o JJ e o Geraldo e o resto é história... em quadrinhos! Hehehe!

 —A história da sua carreira se confunde um pouco com a história do Manicomics, já que um personagem seu que frequentou o fanzine, o Noite, foi criado ainda na Oficina de Quadrinhos, vem a próxima pergunta: Como surgiu o Manicomics? De quem foi ou como surgiu a ideia?
Não lembro tão bem dos fatos tanto quanto o JJ lembra, por exemplo. Por isso, vou contar minha versão... Acho que a ideia foi do JJ e surgiu de uma inquietação. A minha turma recém-chegada à Oficina de Quadrinhos tinha muita influência pop e de quadrinhos de super-heróis. A Oficina trabalhava com uma filosofia de quadrinho mais conceitual, autoral, com influências europeias e com a valorização da cultura regional. Hoje eu acho que eles estavam certíssimos. Mas nós – jovens - ficamos inquietos com isso e resolvemos criar nosso próprio espaço para publicarmos nossos quadrinhos do jeito que queríamos. A solução foi pensarmos em um fanzine. Lembro que a primeira reunião da turma foi na minha casa e tinha umas 13 pessoas (JJ e Geraldo entre elas). Neste dia, o nome foi criado e metas foram traçadas. No final das contas, 10 caíram fora e apenas JJ, Geraldo e eu seguimos. Logo agregamos os primeiros colaboradores. No caso, Eduardo Ferreira e Valdijunio Rodrigues. Assim, em 1996, lançamos o número zero com uma capa em homenagem ao John Byrne.

http://manicomicsblog.blogspot.com.br/2016/02/comecamos-do-zero.html

—Qual a sensação de ganhar um HQ Mix? Na verdade 3, não é?
Eu lembro da emoção até hoje. Algo inexplicável. Acho que logo no primeiro recebemos uma ligação do Sidney Gusman dando a notícia. Não sabia se chorava ou se gritava... hehehe! Uma das coisas mais legais foi a honra de fazer parte de um grupo tão especial. Sempre me senti um aprendiz junto ao JJ, Geraldo, Valdir, Denilson, Cristiano Lopez, Jean Okada, Falex, Lene, e tantos outros. Olhava para o trabalho desses caras e os admirava profundamente. Ainda os admiro. São pessoas que me dão vontade de desenhar, estudar e evoluir. Sou muito grato a todos eles. Nunca senti que o HQ Mix foi uma conquista minha. Sempre senti que o HQ Mix foi uma conquista nossa!
Quero crer também que os prêmios acabaram ajudando outras pessoas. Outros quadrinistas podiam olhar para o Manicomics e pensar: também posso fazer meu próprio quadrinho. Espero que isso tenha realmente inspirado alguém. Isso para mim dá muito sentido a tudo que fizemos com o Manicomics.


—Qual foi a maior felicidade, e a maior decepção com o Manicomics?
A minha maior felicidade com o Manicomics foi ter feito tantos amigos e ter tido a chance de aprender tanto com todos eles.
Não lembro de nenhuma decepção com o zine. Nem o fim dele me entristeceu. Tudo aconteceu como tinha que acontecer.



—E como foi estudar na Kubert School? Qual o processo pelo qual passou para conseguir estudar la?
Em 1995 ou 96 eu vi um anúncio da Joe Kubert School em uma Wizard importada e falei para mim mesmo: “um dia eu vou estudar nessa escola!” Trabalhei 5 anos para isso. Contei com as ajudas fundamentais dos meus pais, da minha esposa e dos meus amigos e colegas de profissão. Em 1998 tive a chance de ir aos EUA, conheci a escola, passei por uma entrevista e uma análise de portfólio. Eles me avisaram que este aval que recebi tinha a validade de dois anos. Ou seja, esse era o tempo que eu tinha para conseguir o dinheiro para me matricular na escola. Meu pai me ajudou muito, trabalhei muito e vendi muitas coisas. Até que em 2000 eu casei, consegui a grana, paguei a escola e fui com minha esposa para lá.
Estudar na Joe Kubert School foi a realização de um sonho e um ponto de virada na minha carreira. Aprendi demais. Estudei e me dediquei muito. Minha esposa e eu passamos alguns momentos duros, mas superamos tudo. Foi tudo muito positivo e colho frutos desta época até hoje. Foi na Joe Kubert que começou a minha carreira internacional como desenhista assistente da revista Azrael (DC Comics). Fui escolhido o melhor aluno do primeiro ano pela Dark Horse. E fiz alguns trabalhos importantes aqui para o Brasil via internet. Muitas portas se abriram e acho que aproveitei as oportunidades. Sempre me esforçando muito.


—E sobre sua carreira internacional: Como foi essa experiência de produzir para grandes editoras? E quais as principais, que lhe trazem as melhores lembranças poderia citar?
Comecei como desenhista assistente do Sérgio Cariello na revista Azrael da DC Comics. Nesta época, comecei a fazer testes e tudo foi correndo bem. Quando tive que voltar ao Brasil, por conta do atentado às Torres Gêmeas de Nova York, passei um tempo com um sentimento nacionalista e me dediquei muito ao quadrinho nacional. Em meados de 2003 voltei minhas forças novamente para o mercado americano e trabalhei muito até 2007. Fiz parte das três maiores agências na época: Art&Comics, Glass House Graphics e Impacto Quadrinhos. Neste período fiz muitas coisas para editoras pequenas, mas consegui fazer um trabalho de capa e uma HQ para a Dark Horse, coleções de cards para a Marvel, DC e Lucas Film.
Eu me orgulho muito de ter publicado no Brasil, nos EUA, em Portugal, na Itália, no Egito e na Índia. Fui bem mais longe do que já tinha pensado um dia chegar...

—E como surgiu a ideia do Estúdio Daniel Brandão?
Foi quando voltei dos Estados Unidos no finalzinho de 2001. Estava muito empolgado para retomar os trabalhos que eu fazia na época da Graph it (estúdio que dividi com o JJ e o Geraldo). Também estava muito ansioso para dividir minha experiência americana com todo mundo daqui. Por isso, o Estúdio Daniel Brandão abriu oficialmente no início de 2002 com cursos renovados (muito inspirados nos ensinamentos da Joe Kubert School). Logo retomei o Manicomics e outros trabalhos de quadrinhos comerciais e ilustrações.
Desde a sua abertura, o Estúdio foi pensado como um espaço para oportunizar o encontro de artistas e a produção de quadrinhos e desenhos em geral. Por isso, muita gente boa passou por aqui e hoje tenho a felicidade de trabalhar com um grupo maravilhoso. É um privilégio dividir o mesmo espaço com pessoas como Blenda Furtado, Rodrigo Mendez, Luís Carlos, Marcus Rosado, Julia Pinto, Juliana Rabelo, Nathália Garcia, Lucas Pascoal, Heron, Jonathan Lima, Mano Araújo... Aprendo demais com estes artistas. É uma honra tê-los como amigos. Este é meu maior orgulho!

—Quais foram suas principais influências nesses 20 anos de carreira?
Tive e tenho muitas influências de grandes mestres dos quadrinhos como Will Eisner, Bill Watterson, Joe Kubert, Flávio Colin, dentre outros. Consumo muitos quadrinhos até hoje e tento aprender com os grandes artistas. Fico sempre atento também aos artistas novos e procuro absorver o que eles trazem de frescor. Mas quando analiso o meu caminho hoje, vejo que minhas principais influências realmente vieram das pessoas mais próximas. Por isso, meus verdadeiros mestres foram Mino, Jesuíno, Walber Feijó, Silas Rodrigues, JJ, Geraldo, Al Rio, Sérgio Cariello, Jean Okada, Cristiano Lopez, Lene, Goldman, Vitor Batista, Mário, Denilson, Clayton, Weaver, Falex, João Belo, Júlio Belo... e mais recentemente dos artistas que frequentam o estúdio citados na resposta anterior. Todos eles me influenciam.
Outro cara que me inspira e me ensina muito atualmente (infelizmente não faz parte do Estúdio) é o Zé Wellington. Um roteirista muito talentoso e um profissional exemplar.

Para finalizar:  
·      Qual foi a sua maior alegria até hoje como quadrinista?
Sem nenhuma dúvida foi o livro Liz. Desde o lançamento, ele só me dá alegrias. Fico muito contente com a aceitação deste trabalho.

·      Qual o projeto que mais deu trabalho de produzir?
Foi uma história de 90 páginas que nunca foi publicada. A editora fechou quando eu estava na página 80.

·      E como se sente sendo uma fonte de inspiração para tanta gente que já passou pelo seu estúdio ou não, mas que conhecem seus trabalhos?
Não tenho controle disso. Se eu influencio alguém positivamente, fico muito honrado com isso. Mas não me sinto diferente de ninguém. Erro muito e tento seguir um caminho de aprendizado. Acho que tenho um longo caminho pela frente e muito a evoluir. Gosto de pensar que faço parte de um grupo de artistas, de uma geração muito bacana que se ajuda mutuamente para seguirmos em frente.
Sou um privilegiado por dar aulas. Isso me força a estudar muito e cada aluno me traz uma nova luz. Sou muito grato a todos ao meu redor.

Quero agradecer a oportunidade da entrevista com alguém que tanto admiro, e desejar que venham mais outros 20 anos ou mais.
Eu que agradeço. Adorei viajar no tempo e puxar todas essas histórias na memória.

NOTA DO EDITOR: Se você está lendo esta matéria em abril de 2018 ainda dá tempo de conhecer e apoiar o projeto AS NOVAS AMAZONAS. Que contem arte do Daniel Brandão para o texto de Leonardo Santana. Clique aqui para saber mais.






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