terça-feira, 3 de outubro de 2017

Discovery: Uma nova jornada para novos viajantes!



(Uma resenha crítica por JJ Marreiro)
 
Quando JJ Abrams assumiu a produção de uma nova Jornada nas Estrelas para o cinema, a franquia consistia em filmes de orçamento apertado, roteiros medianos ou esforçados e notadamente apoiados na fama da série original e no reconhecimento dos personagens e atores que construíram as séries da TV, inicialmente Nimoy e cia e posteriormente Patrick Stewart e cia. 

Todo trekker percebe claramente que as produções fílmicas da Nova Geração são bem inferiores em texto e concepção a vários episódios da própria série. Nesse sentido os filmes da Série Clássica levavam vantagem e mesmo assim estavam,  na maioria, abaixo das possibilidades de Hollywood pra sua época. O Diretor e Produtor JJ Abrams (e sua trupe de auxiliares) tem o mérito de trazer Jornada para o universo dos blockbusters copiando de Star Wars as explosões de planetas e as paixonites dos protagonistas. Embora parte dos fãs antigos aprecie o espetáculo visual do Abramsverse (aka Kelvin Timeline) e embora as histórias não sejam necessariamente fracas, a verdadeira Ficção Científica de Jornada nas Estrelas passa longe dessas produções. Discovery, mesmo alegadamente localizada no universo Prime, bebe na fonte de Abrams em todos os sentidos: um espalhafato visual criado obviamente para neófilos, civis e para os apreciadores de CG. É fácil ver as influências de Star Wars com presença mais forte que os elementos próprios de Jornada nas Estrelas.

O primeiro grande equívoco de Discovery foi ser localizada temporalmente no passado do universo prime ignorando o ditado antigo que já dizia: "Quem anda pra trás é caranguejo". Não há como um fã reconhecer o design de objetos, adereços e uniformes como sendo anteriores a era Kirk. Os Klingons estão desfigurados no que tange ao aspecto físico e, no figurino, travestidos de Mestres Sala com suas naves, cercadas de uma pompa ridícula, parecendo carros alegóricos. Todo o design de Star Trek Discovery remete a um desfile de escola de samba ou a um clip de Lady Gaga.

Essa excentricidade visual seria possivelmente mais aceitável se as aventuras se passassem após as viagens da USS Voyager. Coisa simples de resolver, mas sem a mesma resposta de público, pois aproximar Discovery temporalmente da série clássica dá aos civis um ambiente confortável (com a proximidade de personagens como Sarek, Spock ou Kirk). Os roteiristas também não precisam se dar ao trabalho de conhecer nada do universo construído nas inter-relações entre as séries: Clássica, Nova Geração, Deep Space 9 e Voyager.

O elenco é, talvez, o melhor elemento de Discovery que mostra atores e atrizes empenhados em construir seus personagens com competência e carisma. Destaque óbvio para o Ten. Saru, que apesar de ter o rosto parecido com uma pilha de vísceras de bode, é um personagem que gera simpatia e curiosidade, além da Diva Michelle Yeoh interpretando uma Capitã cuja coragem e audácia a levam a extremos e, a bela e carismática Sonequa Martin-Green cujo personagem faz uma ponte entre a cultura Vulcana e Terráquea. O Sarek de James Frain parece ter acessado a Força Jedi por meio da disciplina do Kolinahr. Ele reflete bem a sobriedade vulcana, mas a direção do filme o trata (e às suas habilidades) como um Mestre Jedi.


O roteiro que não é ruim —mas também não é Star Trek— parece ter sido criado para encaixar os efeitos a la Michael Bay. O visual é deslumbrante, muitas luzes, camadas, brilhinhos, texturas, muitas telas e holografias, muitos raios, flashes, muitas explosões, sequencias de ação velozes e confusas, sem dúvida visualmente alinhado com o universo Abrams com os quais os civis estão familiarizados.O tratamento dado à Discovery é de um filme picotado em capítulos —característica das séries produzidas pela Netflix. Isso afasta ainda mais o estilo narrativo, o tratamento dos temas e a familiaridade com qualquer das 5 séries (6 se contarmos a série animada) de Jornada nas Estrelas.

 
Star Trek Discovery, produzida por Alex Kurtzman (o "mão direita" de JJ Abrams) troca toda a parte de exploração, ciência e filosofia por intrigas, batalhas e cenas de ação. Kurtzman mostra que entende tanto de Star Trek quanto um peixe entende de mecânica de automóveis. A inteligência de uma Jornada foi trocada pelo escapismo e o drama fácil de uma Guerra. A disciplina vulcana aparece maquiada como uma Força Jedi incluindo projeções astrais. Até o figurino parece cópia de Star Wars — vide o traje usado pela Cap. Georgiou no deserto. Os Aliens, exceto a garota Daft Punk parecem ter fugido de Mos Eisley. Os hologramas também estão em todos os lugares. Quem continuar acompanhando a série pode aguardar alguma inevitável referência visual aos stormtroopers.











A série inteira lembra aquele ditado do macaco que nunca come mel e quando come se lambuza. Se Jornada nunca teve financiamento o bastante para alguns efeitos mais elaborados isso certamente impeliu os roteiristas a se esmerarem. O que vemos em Discovery é o uso da marca STAR TREK (e alguns nomes de personagens e lugares) servindo ao propósito de vender uma "outra coisa". De fato, esta nova viagem espacial, pouco tem a ver com os elementos que construíram a verdadeira Jornada nas Estrelas. Há sim uma sintonia com o mercado, com o  público de hoje. Certamente muitas traquitanas serão vendidas e mais produções com efeitos deslumbrantes estão à caminho, possivelmente com planetas sendo destruídos e muitas batalhas espaciais com destroços e lens flares. Podem esperar também por muitos ganchos de final de episódio, reviravoltas mirabolantes, intrigas, traições, aliados imprevisíveis, todos esses elementos "inovadores" vistos a exaustão em Lost, Walking Dead, Game of Thrones e congêneres. Já os antigos fãs (pelo menos os mais tradicionalistas) terão que esperar uma nova produção que reflita o que se conhece do universo prime de Jornada nas Estrelas.