Um tipo de produção cada vez mais rara no meio cinematográfico é o Western. Raro por não ser um gênero da moda e por não ser bem compreendido pelos roteiristas e produtores de hoje. Raro entre os produções contemporâneas que facilmente tem perdido a mão ao querer reinventar o gênero poluindo-o com terror, gore ou sci-fi. Terra Violenta (In the Valley of Violence) é uma produção de 2016 com Ethan Hawke e John Travolta no elenco. O outro rosto conhecido é o da atriz Karen Gillian ( da serie Doctor Who e dos filmes Guardiões da Galáxia e Jumanji).
O filme diz a que veio logo nos créditos, colocados na abertura, ao invés do final como 99% das produções de hoje em dia. E a sequência, com uma animação em vermelho e preto, é de aquecer o coração dos fãs do velho bangue-bangue à italiana — a trilha é eficiente (se bem que poderia ser ainda mais marcante) e segue a tendência estética do filme. Os enquadramentos e planos em alguns momentos se mostram inspirados, indo além da mera competência. Na abertura temos um zoom típico do cinema spaguetti italiano onde um personagem vai de um plano geral para um plano próximo num sobressalto muito bem encaixado. O uso desse recurso algumas vezes mais ao longo da trama teriam contribuído pra elevar o nível da produção e assumir, sem medo de ser feliz, seu referencial.
Sem fazer revelações é seguro dizer que Ethan Hawke empresta sua credibilidade e humanidade ao típico “cavaleiro solitário” tão conhecido dos fãs de Clint Eastwood, John Wayne e Franco Nero. Seu objetivo, também sem muitas revelações, é chegar ao México, mas atravessar uma cidadezinha esquecida no fim do mundo, só para encurtar caminho e descansar um pouco, pode mudar o rumo natural das coisas.
John Travolta, ao interpretar um dos antagonistas, entrega um personagem crível, pé no chão. Fica implícita sua influencia (como xerife) sobre as pessoas da cidade, sem arroubos de violência gratuita, gritaria ou sequências de crueldade explícita. É perceptível que se trata de um vilão, mas construído como um manipulador, um articulador que vê inteligentemente onde estão as vantagens e desvantagens de suas ações. Num tom completamente diverso vemos o personagem de James Ransone (de It: Capítulo II) como Gillian Martin, ajudante e filho do Xerife. Esse sim um fanfarrão, composto num tom espalhafatoso com um certo overacting que funciona para provocar ojeriza na audiência. E funciona também para prismar do lado oposto o personagem silencioso e humano de Ethan Hawke. Aliás essa humanidade (mostrada de modo contido) encontra reflexo também na relação com a cadela Abbie e com a personagem de Taissa Farmiga (Mary Anne) que percebe por trás daquele silêncio, alguém que, para ela, representa esperança.
A narrativa cresce, como em alguns bons westerns, até o embate dos espíritos, ânimos e interesses dos personagens ganhar cheiro de pólvora, ricochetes de balas, navalhadas e respingos de sangue (na medida certa, sem gore). O final não decepciona os fãs do gênero, que mais uma vez ficariam muito mais contentes com o clichê — que teria caído como uma luva— do cavaleiro solitário desaparecendo sobre seu cavalo numa bela panorâmica ao por do sol.
A quantidade de westerns medíocres, pobres e mal-ajambrados é tanta que, mesmo com suas ressalvas Terra Violenta mostra-se muito, mas MUITO, acima do nível atual das produções do gênero, e como mencionado ao longo do texto, com um pouco mais de cuidado (e talvez financiamento), este filme do Diretor Ti West, poderia ter ido parar na prateleira dos grandes clássicos. Mas se você é fã do gênero veja tranquilo pois é um dos melhores faroestes dos últimos 10 anos.
(Até a publicação desta resenha, 14/12/2019, o filme estava disponível na plataforma Netflix)