quinta-feira, 14 de junho de 2018

Entrevista com o Editor do Laboratório Espacial: JJ Marreiro















Três vezes vencedor do HQMix de melhor Fanzine (com o Manicomics), criador dos personagens Zohrn, Mulher-Estupenda, Beto Foguete e da Tira Lucy & Sky. Marreiro começou a trabalhar com quadrinhos em 1991 ilustrando material de informática e ministrando aulas de desenho para crianças. Formado em Publicidade com atuação nas áreas de Ilustração Editorial, Educação à Distância, Design e Arte-educação. Participou dos álbuns MSP + 50, Monica's, O Gralha Tão Banal quanto Original e As Aventuras Perdidas do Capitão Gralha. Seu trabalho pode ser visto nos sites: http://www.hqbrasil.xyz ou aqui no blog laboratorioespacial.blogspot.com
(Entrevista concedida a Layo Lucena aluno do Curso de Jornalismo da Universidade de Fortaleza) 


JJ, conta pra gente como e quando foi seu primeiro contato com os quadrinhos? 
Rapaz, eu descobri os quadrinhos como muita gente: durante a infância. Meu Tio trabalhava na Imprensa e me trazia quadrinhos de vez em quando. Aliás algumas pessoas na família tinham o hábito de ler livros e quadrinhos e acabei conhecendo muitos personagens graças a meus primos mais velhos, meu Tio e minha Mãe. As primeiras revistas que lembro são de Zorro, Pato Donald, Tarzan, Batman, Tex.
















E esse negócio de trabalhar com arte? Quando você começou a trabalhar como desenhista e por que? 
Sempre gostei de desenhar e no colegial começaram a me encomendar artes para o jornalzinho da escola e até os próprios professores me encomendavam desenhos. Aquilo era algo que gostava de fazer e ao longo da minha história isso foi ficando um pouco mais sério. Aí começaram a aparecer convites para ilustrar livros e mesmo para compartilhar com outras pessoas o que eu havia aprendido sobre desenho. E essa necessidade de compartilhar experiências foi o que me levou para ministrar aulas de quadrinhos e desenho.  

Para você que tem essa profissão, como você vê o mercado atual de quadrinhos em Fortaleza e no Brasil? 
O Mercado exige que você tenha networking, que entenda de seu trabalho e que possua visão estratégica e empreendedorismo. Habilidade e talento não são garantia de nada. O Mercado especificamente de quadrinhos no Brasil é microscópico, daí nossos artistas migrarem para o mercado internacional. Fortaleza não oferece muitas opções sustentáveis para se levar os quadrinhos como profissão. Na verdade muita gente fala que o Mercado de Quadrinhos não existe, mas o fato é que se alguém te paga pra fazer quadrinhos esse mercado existe para você. Se não há ninguém pagando pelo trabalho que você pode fazer com quadrinhos, então o mercado passa a não existir pra você. Parece complexo... e é. Não é fácil pra ninguém trabalhar com Arte. Como costumo dizer: O problema dos Quadrinhos no Brasil não são os Quadrinhos.  

Qual a maior dificuldade que você enfrentou na área? 
Não é a maior, mas certamente é algo que afeta muitos produtores culturais: O brasileiro tem o costume de querer TUDO DE GRAÇA. E pra ontem. Não há respeito pelo artista, não há educação, não há preparo nem do leitor, nem de boa parte do pessoal de imprensa. Muita gente ainda acha que Quadrinho é "coisa de criança". Ou algo que se faz por diletantismo, por curtição. O artista precisa buscar cada vez mais se profissionalizar, aprender a trabalhar com contratos, se impor e não atender tudo que os contratantes exigem, Qualquer contrato de trabalho é um acordo de duas partes, você não pode deixar tudo nas mãos do contratante. O artista precisa impor limites. E é necessário entender que arte, principalmente Boa Arte não se acha aí por qualquer lugar. E já que estamos falando em dificuldades: trabalhar para o Governo é complicado. Os gestores não tem responsabilidade na hora de agilizar os pagamentos —culpa ou não do sistema de pagamento, pois quem adota o sistema são os gestores. Já tive que esperar mais de um ano pra ser pago por um trabalho que fiz para o governo do Estado do Ceará. Todo artista sabe que o Governo é mau pagador, a não ser talvez quando a grana vai pra shows de axé ou para a cueca de alguém. Então... tenho reservas com essas coisas.















Você possui diversos personagens de temáticas diferentes e até com traços e estilos de desenho diferentes. Como é a criação de seus personagens, em geral?
Pra mim um personagem é uma pessoa. Ele precisa ter sentimentos, motivações e objetivos. Os meus personagens nascem alinhados com projetos narrativos específicos, alguns mais simples outros mais complexos e alguns deles parecem bem simples quando de fato são muito, mas muito, complexos. Lucy e Sky (1998) são um exemplo dessa dicotomia entre simplicidade e complexidade. O Zohrn (1994) surgiu em partidas de RPG baseado numa ficha de D&D, depois migrou pros quadrinhos. A Mulher-Estupenda surgiu como uma homenagem aos Clássicos dos Quadrinhos e foi seguida por Beto Foguete, Garotas da Selva e Colt Malone. Mas tenho muitas criações na manga que gostaria de ver publicadas, mas cada coisa a seu tempo. 

Você faz algum tipo de pesquisa para a criação de seus personagens? 
Ah, sem dúvida. Antes de criar um personagem e antes de escrever uma história uma etapa que acho importantíssima é a pesquisa. Na verdade a pesquisa é uma coleta de informações e sempre que qualquer pessoa precisa resolver um problema , seja dentro da área criativa ou não, ela precisará investigar possibilidades, contextos, e tudo isso é pesquisa.














Na sua opinião, por que a mídia não dá a devida divulgação, espaço para os quadrinhos nacionais?
Quando há grana alta envolvida no projeto, temas polêmicos ou temas que agradem a pautas engajadistas ou artistas famosos há divulgação sim. A grande mídia divulga muito quadrinho nacional, mas normalmente os que estão dentro dessa descrição. 

Você poderia me falar sobre o Manicomics?
Eu poderia te falar dias seguidos sobre o Manicomics . Inclusive criei um blog pra isso: manicomicsblog.blogspot.com.br . Mas pra ser sucinto: o Manicomics (de 1996) foi uma forma de um grupo de jovens artistas levarem até as pessoas as histórias que gostavam de produzir. A grande sacada do Manicomics era fazer histórias com começo, meio e fim e que qualquer pessoa pudesse ler e entender. E, utilizando o melhor de nossas capacidades. 

 













O que é o Laboratório Espacial?
Uma área de testes e uma válvula de escape para vários projetos. As matérias, entrevistas, quadrinhos e postagens diversas orbitam os mundos fantásticos da Ficção Científica, Fantasia e afins junto com seções de dicas, resenhas, artigos opinativos, videocasts etc. Graças a colaboração de Fernando Lima, Ricardo Quartim, Dennis Oliveira, Diêgo Silveira, Gian Danton, Afrânio Bezerra, Jackson Silva, Jean Okada, José Carlos Braga o espaço de mantém mais vivo e ativo do que um blog comum. Este é um espaço para colocar coisas legais, falar de coisas legais dentro de parâmetros de linguagem e espaço que não seriam possíveis numa revista impressa. 

Quantas histórias você já escreveu ou participou?
Muito difícil chegar a um número exato...até uma estimativa seria imprecisa porque muitas coisas você vai perdendo, ou vão sendo subtraídas contra sua vontade, outras simplesmente vão ficando ao longo do caminho. Seria necessário um esquema de catalogação, um bom exercício de memória e um tempo considerável para fazer um levantamento levemente aproximado. 
Veja,  comecei a fazer quadrinhos amadoristicamente lá em 1977/78. A medida que fui amadurecendo continuei produzindo. Publiquei tiras no jornal da escola e depois quadrinhos e cartuns e em fanzines e na revista da Oficina de Quadrinhos da UFC. Algumas produções fiz como desenhista ou arte-finalista ou roteiristas ou letrista ou colorista ou todas as anteriores (hehehe) — algumas HQs eram bem curtinhas —de uma ou duas páginas, outras mais longas e divididas em capítulos. De certo foram muitas HQs, algumas muito ruins outras nem tanto. Incluindo aí material institucional, editorial, material para propaganda, algumas coisas publicadas na Europa, Estados Unidos e até na Ásia. Tem também ilustrações, tiras, charges e cartuns que tornariam a conta bem mais complexa. 














Os seus quadrinhos da Mulher-Estupenda, Garotas da Selva e Beto Foguete tem sempre 4 páginas. Qual o motivo de todos esses personagens terem HQs de 4 páginas?
Isso começou com o Zohrn (um Elfo-Bárbaro de um cenário de Fantasia Medieval)... As aventuras dele tinham 11 ou 12 páginas inicialmente e após enviar para a Revista Dragão Brasil, o Cassaro (Marcelo Cassaro) que era editor por lá me aconselhou a colocar as tramas em 4 páginas pois ficava mais fácil de publicar — na Dragão Brasil ou em qualquer outro lugar. Primeiro porque a história ocuparia menos espaço e depois porque 4 páginas é o suficiente para introduzir o problema (Primeira página), desenvolver a aventura (paginas 2 e 3) e concluir a história (na página 4). Pensando nisso comecei a fazer as aventuras do Elfão Pouco-Tato em 4 páginas e depois usei a mesma fórmula para os outros personagens. Quem publica de maneira independente e não conta com financiamento externo tem que pagar por cada página impressa de sua revista (ou fanzine) assim histórias mais objetivas, sem gordura acabam ajudando o personagem e o autor no quesito publicação. E, caso vc ofereça seu material para publicações mix o tamanho da história não prejudica o editor. Usar um número de páginas fixo para as HQs de um personagem também facilita o planejamento editorial. O Spirit do Will Eisner tinha sempre Sete Páginas. Com isso os jornais e revistas nunca tinham problema de ampliar ou reduzir os outros conteúdos pra encaixar as histórias. 













Você se inspira em outros artistas nacionais? Você é fã de algum? 
Flávio Colin, Julio Shimamoto, Gedeone Malagola, Eduardo Vetillo, Franco de Rosa, Sebastião Seabra, Marcelo Cassaro e Alexandre Nagado estão entre os vários artistas que me inspiraram e ainda me inspiram. Autores como Laudo Ferreira, André Diniz, Antonio Eder, Dennis Oliveira, Fernando Lima, Gian Danton, Geraldo Borges, Daniel Brandão, Jean Okada também me influenciaram e influenciam. 

Acho legal acrescentar uns gringos aqui que acho fabulosos: Hal Foster, Jack Kirby, Will Eisner, Galep, Alan Moore, Garcia Lopez, George Pérez, John Byrne, Alan Davis, Bruce Timm, Daniel Torres, CC Beck, Jesse Marsh, Russ Maning, Wally Wood, Mark Schiulz e Alex Raymond pra deixar a lista curta. 













Quais seus planos para o futuro? 
Desculpa, não posso contar. Se você sai contando por aí tudo que está planejando corre o risco de os projetos perderem a energia e você acabar não realizando nada. No entanto já existem várias realizações em andamento que podem ser conferidas no laboratorioespacial.blogspot.com 

Qual a sua revista em quadrinhos favorita? 
Difícil dizer uma só. Mas os álbuns de Edgard Jacobs dos personagens Blake & Mortimer são fascinantes e também o Tintin de Hergè. O Tex da Bonelli Editore é uma leitura bacana. Gosto do Thor e do Quarteto Fantástico desenhados pelo Jack Kirby (assim como a saga Quarto Mundo e Eternos), do Flash Gordon de Alex Raymond, do Tom Strong de Allan Moore e Chris Sprouse. O X-Men, Quarteto Fantástico e Dr McCoy Frontier Doctor por John Byrne são Fabulosos.












Qual a sua opinião sobre o atual mercado digital, você acha que os quadrinhos continuarão a ser impressos ou poderão ser encontrados online para download e leitura?
As novas tecnologias tem mudado o acesso e o consumo de arte e mídia. Veja só: os filmes originalmente pensados para cinema estão agora em celulares, tablets  etc. O mesmo ocorre com os quadrinhos. Somos levados a pensar o quadrinho, a Arte Sequencial como diria Will Eisner,  de maneira mais ampla em termos de veiculação e captação de recursos. É óbvio que com os recursos tecnológicos é possível fazer um quadrinho interativo com links pra vídeos, animações, hyperlinks e tudo isso modifica o quadrinho em si, o leva para novos patamares. Mas mesmo com toda tecnologia disponível é difícil você transmitir por meio digital o impacto que uma página em tamanho tabloide de Hal Foster provoca. O Quadrinho digital é como o mercado pornô digital, eles vendem fotos e filmes de mulheres e aquilo é tão distante de uma mulher real quanto um quadrinho digital é de uma revista real. Obviamente para os produtores os custos de veiculação e distribuição são reduzidos ao extremo.O mundo digital faz muito dinheiro circular e empresas como a Marvel Comics já estão fazendo bom uso disto. Mas assim como os livros, os quadrinhos impressos provocam uma resposta sensorial específica e constituem um produto palpável com características próprias. Possivelmente as tiragens no futuro venham a cair, talvez as Editoras comecem a fazer uma triagem entre o  material que vale ou não a pena ser impresso. Mas Edições em tamanho tabloide como Príncipe Valente e Flash Gordon ou tijolos como "From Hell"(de Alan Moore) exercem um tipo de fascínio e possuem um valor impossível de um similar digital igualar. Hoje já há quadrinhos em livraria que são produzidos com um acabamento gráfico refinado e cujo preço se diferencia muito do quadrinho de banca. O que fica ridículo é ver algumas editoras insistindo em precificar material digital no mesmo patamar de um impresso.











Você tem alguma dica para os iniciantes? 
Tem muita coisa que a gente realmente precisa ouvir (ou ler) quando está começando...e pouca gente diz, talvez porque o melhor modo de descobrir o caminho seja caminhando, mesmo assim algumas coisas fazem muito sentido. Por exemplo arrumar um trabalho careta pra pagar as contas e fazer quadrinhos nas horas vagas! Quando a grana dos Quadrinhos superar muito (em quantidade e solidez) o trabalho careta , aí faz sentido migrar. É preciso ser prático. Quadrinhos constituem  um trabalho como outro qualquer e assim sendo há de existir uma remuneração adequada.
  
JJ Marreiro, obrigado por este papo pra lá de Maneiro! E obrigado pela chance de colaborar com o Laboratório Espacial!
Rapaz, eu é que agradeço a você e ao pessoal da Universidade por liberar a publicação da entrevista no Laboratório Espacial. Apareça por aqui sempre que der. Pois tem um monte de matérias curiosas e um monte de experiências malucas com quadrinhos e cultura pop.

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