quinta-feira, 25 de maio de 2023

CLASSIFICAR para OTIMIZAR — por JJ Marreiro

 


Ao elaborar uma narrativa seja em quadrinhos, seja um livro, seja um game ou outro meio qualquer, o autor é livre para explorar todos e quaisquer temas, gêneros e assuntos. Entretanto há um elemento fundamental — mas muitas vezes esquecido — que é a necessidade de perceber a qual público se destina sua obra. Isso também é válido para produtores de conteúdo para web como videocasts, podcasts, etc. É fato de conhecimento público que a cognição e o aprendizado infantil diferem substancialmente dos adolescentes e adultos, daí a compreensão de que certos temas e abordagens possuem intrinsecamente públicos específicos.

Já há vários anos, um sistema classificatório tem sido mantido pelo Ministério da Justiça com intuito de auxiliar no direcionamento de uma obra focando no público a que se destina. Esta classificação é indicada para televisão, mercado de cinema e vídeo, jogos eletrônicos e jogos de interpretação – RPG, entretanto pode ser de utilidade para outras áreas e mídias não listadas.

Aos que interpretem esse sistema como censura, é bom lembrar que trata-se de uma classificação de conteúdos visando adequação de público, ou seja não é um impedimento de veiculação, mas um indicador de direcionamento desta veiculação.

O Guia prático da classificação indicativa (disponível no site do Ministério da Justiça) pode ser usado pelos próprios autores para uma auto classificação de sua obra em projetos culturais, editais, etc. Obviamente deveria ser também utilizado por avaliadores de projetos culturais e editais para classificar os trabalhos que avaliam. Ele ajuda a perceber que elementos estão contidos nos trabalhos e a que faixas etárias melhor se destinam.


A título de exemplo, uma classificação Livre permite a chamada Violência fantasiosa, como nos desenhos animados em que os personagens se deformam, são amassados por bigornas ou martelos gigantes e logo em seguida retornam ao estado normal; A presença de armas sem violência, sem sangue, sem fraturas expostas é permitida; Mortes sem violência ou lesões. Por exemplo: um corpo inerte é encontrado por um detetive numa cena após o crime. Para maiores detalhes o Guia pode ser baixado gratuitamente no site do Ministério da Justiça. (Link abaixo da matéria).

Enquanto as mídias relacionadas a cultura, educação e entretenimento se tornam áreas mais rentáveis e abrem espaço para novas atividades, o profissionalismo dos produtores faz-se cada vez mais necessário exigindo-lhes mais conhecimento sobre o mercado que os cerca e sobre a elaboração e veiculação de suas produções, sejam animações, games, RPGs ou quadrinhos.


 



Mais:
Guia de Classificação 
Guia de Classificação para Artes Visuais - 2021 (PDF)

Guia para o Áudio Visual - 2021 (PDF)
Ministério da Justiça Página Consulta




http://laboratorioespacial.blogspot.com/p/blog-page.html

domingo, 30 de abril de 2023

HIGH WAYS - Altas jornadas com John Byrne!

John Byrne é um MESTRE. Escreve E Desenha num nível (e num ritmo) além do normal. Me surpreende que não seja incensado como Allan Moore ou Frank Miller, talvez —gosto de usar o talvez porque abre portas para o incerto e nada mais incerto que nós seres humanos com nossos achismos— então, talvez, apenas talvez, Byrne não seja um dos queridinhos da crítica, e dos moderninhos, porque seu trabalho está nos fundamentos dos quadrinhos, e foi ali que ele deixou sua marca.

Byrne desenhou e escreveu os personagens mais importantes das Masters (Marvel, DC). Provavelmente apenas George Perez e Jack Kirby estejam no mesmo patamar em termos de quantidade de personagens e títulos que contem produções suas. Star Trek, Aliens, Espaço 1999, Buffy e Angel, Indiana Jones e mais algumas dezenas de outros títulos estão no currículo desse Gigante.

Em Operação High Ways, Byrne entrega “um filme”. Bem, eu pelo menos me senti vendo um filme de ficção científica, aliás, um filmaço! Acho que funcionaria muito bem com o John Boyega no papel principal, seria irado vê-lo retornar a Ficção Científica depois de Star Wars e Círculo de Fogo-A Revolta. E não custava colocar um cara como Jeremy Irons ou William Dafoe no elenco. Para o principal papel feminino Regina King já peitou um mundo à beira da destruição (Watchmen, HBO) e tiraria uma aventura espacial de letra.


O filme, ops!, o quadrinho que parece um filme, acompanha o inexperiente Eddie Walace (pra mim, John Boyega) tentando se adaptar ao novo emprego à bordo de um cargueiro espacial. O que esse cara não sabe é que o trabalho vai ficar bem complicado, misterioso e cheio de surpresas.

A obra, cujo roteiro é costurado com precisão milimétrica, tem vários elementos de ficção científica, ação e suspense. A Arte não foge ao alto padrão Byrne com alguns enquadramentos que lembram Moebius ao expandir os horiziontes dos cenários e, porque não dizer, dos personagens. A exemplo de Moebius, e Stanley Kubrick (sim aquele do 2001), Byrne em vários momentos coloca o homem em seu estado de insignificância diante da imensidão cósmica.

Essa resenha não é pra dar spoillers, está mais para “algo que li e gostaria de falar a respeito”...e mais: “algo que li e indicaria sem medo, pois se trata de Ficção Científica com aquele tratamento de ação que não deixa as coisas tediosas”. Eu até fiz um treco errado nesse texto comparando o álbum do Byrne a um filme. O fato é que o quadrinho se basta. Ele é excelente sem precisar virar filme. Principalmente se for como essas adaptações fulerages que se vê por aí. Se você não conhece o trabalho de Byrne, ou se gostaria de reencontrar o trabalho dele: Operação High Ways é um título que saiu no Brasil, com ótimo tratamento gráfico/editorial, pela Editora Scribs.   
 

 

 
 
 

quinta-feira, 20 de abril de 2023

Nós, Robôs.


 

Homônimo diz respeito aquilo que possui o mesmo nome, embora diga respeito a objetos (ou pessoas) diferentes. Exemplos: Duas pessoas chamadas José; Duas ruas chamadas 13 de maio; Duas, ou mais, histórias chamadas “Eu, robô”.



Em 1939, a revista Amazing Fantasy, publicou a história curta (chame de conto caso queira) intitulada “Eu, Robô”, assinada por Eando Binder. Eando era o pseudônimo usado pelos irmãos Ealr e Otto Binder ( E and O Binder). Otto ficou famoso como editor e escritor de quadrinhos, entre seus trabalhos estão a criação da Mary Marvel, Adão Negro e outros (para a Fawcett Comics), e posteriormente, para a DC Comics: Supergirl, Kripto, Bizarro, Legião dos Superheróis, Brainiac, A cidade de Kandor entre outras coisas. Já o irmão de Otto, Earl, passou a dedicar-se à função de agente literário.

A narrativa de “Eu, Robô” acompanha o caso de Adam Link, um Robô acusado de assassinato. O impacto no público fez com que a dupla de autores trouxesse o personagem novamente em outras histórias. O livro de Isaac Asimov , que tem o mesmo nome, não possui nenhuma relação direta com o material dos irmãos Binder. Consta que o título da coletânea de Assimov foi uma imposição do editor à revelia do escritor.

Então, vamos lá: I, Robot (História Curta da Amazing Fantasy) ≠ I, Robot (Coletânia de Contos de Isaac Asimov).

O filme Eu, Robô (2004) estrelado por Will Smith com direção de Alex Proyas (O Corvo, Cidade das Sombras, Deuses do Egito) tem roteiro assinado por Akiva Goldsman e Jeff Vintar. A inspiração teria vindo de uma história de Agatha Christie. Curiosamente não aparecem referências ao material dos irmãos Binder em nenhuma resenha do filme, embora a premissa de ambas as histórias seja a mesma: um robô acusado de assassinar um humano. Elementos e personagens dos contos de Asimov foram inseridos no roteiro.

Então até aqui: I, Robot (História Curta da Amazing Fantasy) I, Robot (Coletânia de Contos de Isaac Asimov) I, Robot (Filme de 2004 que tem a mesma premissa da história original dos irmãos Binder somada a elementos dos contos de Asimov)


 

Caminhando para fechar nossa matéria. A história publicada na Amazing Fantasy ganhou duas adaptações na série The Outer Limits (no Brasil, Quinta Dimensão). Ambas muito bem produzidas e ambas com a participação de Leonard Nimoy (O célebre Sr. Spock de Jornada nas Estrelas). A primeira versão é de 1964 (Outer Limits, segunda temporada , episódio 9). Direção Leon Benson. Elenco: Howard da Silva, Ford Rainey, Marianna Hill, Leonard Nimoy. O advogado aposentado Thurman Cutler (Howard da Silva) parece ser o único com estômago suficiente para enfrentar toda a sociedade que anseia condenar o acusado robótico antes mesmo do veredito do julgamento. 



 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A refilmagem do episódio I, Robot em The Outer Limits (1995) Teve direção de Adam Nimoy, filho de Leonard Nimoy que aqui interpreta o audacioso advogado Thurman Cutler. É curioso ver a evolução dos recursos tecnológicos e as diferenças na construção narrativa das duas versões. Tão interessante quanto ver Nimoy retornar a esta mesma história num outro papel e numa outra abordagem. Também no elenco desta versão estão: Cynthia Preston, Barbara Tyson, Ken Kramer e John Novak.


 

 A trama de I, Robot (Eondo Binder) inspirou em Jornada nas Estrelas – A Nova Geração, um de seus mais inesquecíveis e profundos episódios: The measure of a Man, 1989 (O Valor de um Homem, segunda temporada, episodio 9 - S02E09). Neste episódio o androide Ten. Com. Data está prestes a ser desmontado para o avanço da ciência e isto se torna uma disputa judicial entre os burocratas da Frota (que querem desmontá-lo) e o Capitão da Enterprise-D que não tem interesse em ver um honrado membro de sua tripulação desmontado como um objeto. 

 


Durante o julgamento, o Capitão Picard questiona se ao reproduzir Data aos milhares, não seria criar uma nova raça (uma nova espécie). Noutro momento a reflexão continua apontando que no futuro alguém seria capaz de replicar Data, mas isto acabaria por revelar muito sobre a humanidade em si. Aqui vale a reflexão sobre o fato de Jornada nas Estrelas ser em seus fundamentos, conceitos e raízes, uma ficção científica UTÓPICA. Vale também salientar que em função de escrever uma história mais aventuresca, a segunda temporada da série Picard apresenta uma cepa de androides (chamados na série de trabalhadores sintéticos) sendo usada pelos romulanos para provocar cerca de 92.000 mortes — contradizendo assim os propósitos utópicos calcados no surgimento da série. Ou seja, em alguns momentos precisamos lembrar que produtores e roteiristas estão focados em conquistar novas audiências e gerar fluxo de caixa e, se no processo for necessário ignorar o cânone, assim será.  


 

Na série The Orville (uma série de humor e ficção científica criada por Seth McFarlane) o androide Isaac (clara referência a Isaac Asimov) possui dilemas semelhantes à sua contraparte na Nova Geração, o Ten. Com. Data. Os episódios focados em Isaac —e em sua espécie, os Kaylons— aprofundam o tema das formas de vida artificiais e seu uso como serviçais escravizados. Em diversos momentos Orville parece mais alinhada com o espírito de Jornada nas Estrelas que as atuais derivações da franquia, em sua maioria destituídas do ethos original.

Ao longo do tempo a Ficção Científica tem proposto reflexões sobre os mais diversos aspectos relacionados à formas de vida artificiais. Agora, em 2023, com a Inteligência Artificial andando a passos largos e robôs com tecnologia para andar, correr, saltar e copiar expressões faciais, já estamos diante do desenvolvimento dos primeiros androides. Desde a Revolução Industrial, tem ficado claro que o avanço tecnológico tem servido mais às minorias abastadas do que à civilização em si. Certamente não temos as respostas para a infinidade de questões filosóficas, morais, sociais e econômicas que surgem diante desse cenário, mas nos cabe o direito à dúvida, muitas talvez, e entre elas, esta: o quão estamos prontos para este tipo de realidade que se configura no nosso entorno?


 

 

Referências:

https://www.worldswithoutend.com/author.asp?ID=7398

https://darkworldsquarterly.gwthomas.org/the-early-eando-binder/

http://bdmarveldc.blogspot.com/2017/07/eternos-otto-binder-1911-1974.html

https://en.wikipedia.org/wiki/I,_Robot_(short_story)

https://pt.wikipedia.org/wiki/I,_Robot_(filme)

https://www.imdb.com/title/tt0667904/

https://theouterlimits.fandom.com/wiki/I,_Robot_(1995)#Cast

https://www.imdb.com/title/tt0667816/

https://graemesliterarytimemachine.wordpress.com/2016/01/29/1939-i-robot-and-other-amazing-stories/

https://en.wikipedia.org/wiki/Adam_Link

VIDEOS:

Outer Limits: I, Robot (1964) s02E09 https://www.dailymotion.com/video/x6okyj2

Outer Limits: I, Robot (1995) s01E19 https://www.dailymotion.com/video/x6tzf3i

https://www.hoodedutilitarian.com/tag/i-robot/  

http://blacknwhiteandredallover.blogspot.com/2014/05/post-57-i-robot-memoirs-of-adam-link.html

http://mylifeintheglowoftheouterlimits.blogspot.com/2014/11/episode-spotlight-i-robot-11141964.html