sábado, 29 de outubro de 2022

ALAN MOORE detona proto-fascistas em carta ao Brasil !

 

Alan Moore, autor de Watchmen e V de Vingança, escreveu no dia 28 de outubro (2022) às vésperas da eleição presidencial brasileira uma carta ao Brasil em suas redes sociais. Ciente de que a política predatória da extrema direita é uma ameaça aos recursos naturais e aos direitos civis, pediu a seus fãs que votem por um futuro mais humano. Uma versão traduzida da mensagem você lê a seguir:

“Querido Brasil,

Estamos rapidamente esgotando as últimas chances de salvar o planeta e seus povos. Nosso mundo está mudando, mais rápido do que nunca, e nos forçando a nos adaptar mais rapidamente se quisermos sobreviver. Dos caçadores e coletores de alimentos à agricultura, da agricultura à indústria, da indústria ao que quer que esteja tomando forma agora – essa nova condição para a qual ainda não temos um nome – a humanidade já viu esse tipo de mudança monumental antes, embora não com tanta frequência. Essas transições não são causadas por forças políticas, mas pelos movimentos de maré imparáveis ​​da história e da tecnologia, que é uma maré da qual podemos aproveitar nossas embarcações ou podemos ser arrastados. O mundo está girando, se transformando necessariamente em um novo lugar, e só podemos girar com ele ou então perderemos a biosfera que nos sustenta para sempre. A maioria das pessoas, acredito, sabe disso em seus corações e sente em seus estômagos.

E, no entanto, nos últimos cinco anos, vimos em todo o mundo um ressurgimento feroz dos ideais políticos e econômicos que nos levaram a essa situação claramente desastrosa. A agressão indisfarçável desse avanço de extrema direita me parece tão forte, e ao mesmo tempo tão desconectada de qualquer realidade, que só pode nascer do desespero; o medo histérico sentido pelos mais impregnados nas estruturas de poder do velho mundo, que sabem que o novo mundo pode, em último caso, não ter lugar para eles. Temendo por sua própria existência, pela existência da visão de mundo da qual se beneficiam, eles encheram o cenário mundial ao longo desta última meia década com personagens de pantomima cada vez mais barulhentos, exagerados e birrentos, para quem nenhum curso de ação é muito corrupto ou desumano. E nenhuma linha de raciocínio tão descaradamente absurda.

Descaradamente monstruosos, estes perseguiram minorias raciais e religiosas, ou seus povos nativos, ou os pobres, ou mulheres, ou pessoas de diferentes sexualidades, ou todas as anteriores. Durante a pandemia ainda em atividade, eles colocam sua postura política e suas doutrinas financeiras diante da segurança de suas populações, presidindo centenas de milhares de mortes potencialmente desnecessárias; centenas de milhares de famílias devastadas, comunidades devastadas. Com suas nações em chamas, inundadas ou secas pela seca, eles insistiram que a mudança climática era uma farsa esquerdista para incomodar a indústria e rotularam os manifestantes ambientais ou sociais de terroristas.

Adotando o estilo circense fascista do italiano Silvio Berlusconi, tivemos a perigosa teatralidade insurrecional de Donald Trump na América do Norte e as ruinosas indignidades de Boris Johnson e seus substitutos no (atualmente) Reino Unido. E, claro, o Brasil teve Jair Bolsonaro.

Embora nós, no hemisfério Norte, obviamente contribuamos muito mais do que nosso quinhão de figuras políticas horríveis para a situação do mundo, não conheço ninguém com um pingo de consciência e compaixão que não esteja chocado com o que Bolsonaro, chegando ao cargo com Trump. Influenciando no que fez ao seu enorme e belo país, juntamente com o que ele continua a fazer ao nosso planeta relativamente pequeno e de alguma forma ainda belo. Assistimos desesperados enquanto, cantando no mesmo hinário de sua inspiração norte-americana, Bolsonaro criticou os povos indígenas do Brasil, seus homossexuais e os direitos de suas mulheres a abortos seguros, alimentando uma fogueira descontrolada de ódio como uma distração para suas agendas sociais e econômicas, enquanto simultaneamente inunda sua cultura com armas. Nós o vimos tentar abrir caminho pela pandemia, cuspindo sua idiotice de antivacinação, e vimos o aumento da área de cemitérios preparados às pressas no Brasil; aquelas grades de escaninhos em solo cinza com flores mortas aqui e ali ou marcadores pintados como um pingo de cor.

Também observamos enquanto ele respondia à perspectiva de novas leis ambientais internacionais simplesmente acelerando sua destruição suicida da floresta tropical, sufocando nossa atmosfera com a selva em chamas, deslocando ou despachando pessoas que viveram nessas regiões por gerações e aparentemente conspirando ou fechando os olhos para o assassinato de jornalistas que investigavam essa brutal limpeza étnica.

Uma respeitada revista científica britânica que eu assino, New Scientist, recentemente descreveu as eleições iminentes no Brasil como um ponto potencialmente crucial sem retorno na batalha de vida ou morte de nossa espécie contra a catástrofe climática que nós mesmos projetamos. Simplificando, Jair Bolsonaro pode continuar, lucrativamente, a agradar os interesses corporativos que o apoiam, ou nossos netos podem comer e respirar. É um ou outro.

Como anarquista, há muitos poucos líderes políticos que eu poderia tolerar completamente, muito menos endossar, mas de tudo o que ouvi ou li sobre ele, Luiz da Silva, Lula, parece ser um desses indivíduos raros. Suas políticas parecem ser justas, humanas e práticas e, pelo que entendi, ele prometeu reverter muitas das decisões mais desastrosas de Bolsonaro. Reparar os danos desses últimos cinco anos certamente não seria fácil ou sem custo, e Lula estaria herdando um cenário político muito desfigurado. No mínimo, porém, desta distância, ele tem pelo menos o olhar de um candidato que reconhece que a humanidade está passando por uma de suas raras transformações sísmicas e percebe que devemos mudar a maneira como vivemos, se quisermos viver.

Ele parece um político comprometido com o futuro, com seu trabalho árduo e suas possibilidades justas e maravilhosas, em vez dos espasmos de morte agitados e destrutivos de um passado insustentável. A próxima eleição do Brasil é, segundo me disseram, equilibrada no fio da navalha e, como discutido acima, o mundo inteiro está apostando nisso. Se você já gostou de algum do meu trabalho, ou sentiu alguma simpatia por suas tendências humanitárias, por favor, saia e vote por um futuro que seja adequado para os seres humanos, por um mundo que seja mais do que a latrina dourada de suas corporações e seus fantoches.

Deixemos as iniquidades dos últimos cinco, ou talvez dos últimos quinhentos anos, para trás.

Com amor e confiança,

Seu amigo,

Alan Moore”

sexta-feira, 14 de outubro de 2022

Divagando com EUGÊNIO LEANDRO

 

O entrevistado desse post é o Músico, Escritor e Produtor Cultural Eugênio Leandro. Um ativo criador de cultura, daqueles cujo trabalho e presença inspiram e cujo papo é também um eterno abrir de janelas neurais. Nada mais justo que as veredas do destino e os ventos austrais o tenham feito aportar neste ambiente criativo e lúdico que é o Laboratório Espacial para um papo que é uma verdadeira aula de cultura, de história da música e de brasilidade.


JJ Marreiro: O Além das Frentes foi seu primeiro disco?

Eugênio Leandro: Pode-se dizer que sim, o primeiro disco solo, de 1986. Dois anos antes, em 1984, havia feito o chamado compacto simples, também em vinil, com 04 faixas, que dividi com Dilson Pinheiro, grande artista, compositor, poeta, parceiro de muitos shows à época. Nesse, contei com ajuda de Pedro Julião, um amigo de Limoeiro, que me emprestou o dinheiro por 6 meses. Foram mil cópias, vendidas todas em três meses, a maior parte, no lançamento, um forró na AABEC, da turma da Farmácia UFC, colegas do meu irmão e parceiro Tadeu Costa. Isso me animou a partir para o long play solo, esse Além das Frentes.

Pelo que sei esse disco marcou época, inspirou e emocionou muita gente e tornou-se um disco muito importante para música cearense. Mas você já tinha um histórico de batalha na música antes de lançar esse disco, não é?!

Tocava violão desde os sete anos, pelo Limoeiro. Mas, saí de lá em 1978, com muitos contos e poemas debaixo do braço, pra tentar mostrar a escritores de Fortaleza, que eu lia de lá, principalmente os da revista O Saco, os 4 Cavaleiros do Apocalipse, Jackson Sampaio, Airton Monte, Carlos Emílio e Manoel Coelho Raposo. Eles me mandaram logo ao Rogaciano Leite, no Jornal O Povo, que podia publicar, e que me botou na roda da boemia da Praia de Iracema, nos festivais de música e no Grupo Siriará de Literatura. Daí, fui colecionando parcerias com ele, com Oswald Barroso, Rosemberg Cariry, Marcio Catunda, Airton Monte, participando ativamente da luta do movimento estudantil, naqueles tempos de repressão, pela volta da democracia, com o Papito, o Nelson Vilela, o Inocêncio Uchoa, o Veveu, a Universitária FM nascendo, pra dar alento a esses alternativos. Todo esse movimento ajudou a gerar diversas produções, entre as quais o Além das Frentes, que foi encampado pelo CA XII de Maio, de Medicina da UFC, presidência de Odorico Monteiro, na época, que possibilitou que o disco fosse levado para todo o Brasil, nas mãos de cada dos 3 mil estudantes do encontro nacional de Medicina em Fortaleza, e mais 3 mil exemplares para lançamento.



De onde surgiu o nome do disco?

As frentes de trabalho, como forma de auxílio aos desassistidos do campo, em tempos de seca, já existiam, e eu testemunhava histórias de parentes e amigos do mato de meus pais, que passavam por casa, presos aquele sistema, coisa altamente clientelista. E por essa época, lembro que apareceu a tal Frente Democrática, com o Aureliano Chaves pelo meio, Marco Maciel, Sarney, os coronéis daqui, querendo passar pano na ditadura, eu assistindo aquilo pelos jornais e já vivendo a luta no dia a dia, por Fortaleza. Daí, veio essa ideia de além de todas essas tais frentes.

Os artistas normalmente captam ideias e inspirações de diversas fontes. Me perdoe pela pergunta clichê, mas de onde vieram as referências para o Além das Frentes?

Em termos de poesia e música, a poesia, catei nos livros dos parceiros o que se coadunava com o universo que eu estava a viver, norteando entre aquele figural juaguaribano já experimentado e o que encontrava no bojo da luta do universo estudantil e literário de Fortaleza. Aquilo me movia a inventar um canto. E o que eu tinha, era a experiência de música mais longeva, do que havia aprendido no Vale, com cantadores, repentistas, cegos de feira e todo seu figural. Ao mesmo tempo, com cuidado para não cair no folclore, que eu valoro, mas não queria para o que eu criava. E saíram essas cantigas assim, meio diferentes. Fui catando instrumentos que eu imaginava e que via ser possível.
A concepção gráfica e muitas ideias de arranjo do Além das Frentes, assim como do Catavento, de 1990, foram gestadas junto a Lia Parente, Andrea Santana e a Nara Vasconcelos, com quem eu namorava, e eram um grude, as três, sempre reunidas na casa de Emengarda e Eudoro Santana, daí conhecendo o Tiago, o Camilo Santana, a Bebel, e a minha arte beneficiada por isso tudo, o que agradeço sempre. Elas simplesmente convenceram o fotógrafo Gentil Barreira a fazerem, no chão, esse molde de casa de taipa que aparece na capa, coisa de arquitetas, mesmo. E assim foi.
Quando veio o apoio do CA de Medicina, vimos ser possível a gravação no Rio de janeiro, o que propiciou tantos nomes nacionais da nossa música, como Jaques Morelembaum, Oswaldinho, Maestro Nilton Rodrigues, Mauro Senise, dentre outros, com arranjos do nosso Tarcísio Lima. No Catavento, a mesma luta, dessa vez, com apoio do CA de Agronomia da UFC, na presidência do Camilo Santana, com fotos do seu irmão Tiago.


Que outras artes alimentam seu espírito criativo?

O pessoal reclama que eu não me apresento muito, e acho que seja justamente pelo motivo de que não consigo só cantar, compor. Acabo me debruçando sobre o escrever, que exige muito quieto, abstração, além do desejo de promover a arte dos demais, engolido pelas produções, que todos sabem o quanto necessitam de paixão e afinco, pra arrancar apoios nesse Ceará.

Quando vc ouve falar de Quadrinhos, o que vem em mente?

Francamente, hoje, lembrando crianças como nós, nesses rincões, que tiveram acesso à arte e à leitura pelos quadrinhos, com toda sua carga de ludismo e encantamento, me vem a imagem de crianças do tempo das cavernas, na necessidade humana de se expressar, e daí, criar os seus rabiscos e garatujas nas pedras, pra tentarem dizer uma história.
Interessante que o desenhista da canção Inverno, o Itamar, que não esconde que é fã do Tex Willer, resolveu me colocar nesses traços; eu, que lia quadrinhos desde os tempos de Cavaleiro Negro, tinha coleções da Ebal, Epopéia Tri (fui no google, ver se tinha imagens, vi tudo, ave), do Fantasma, o espírito que anda, que ficava puto com as histórias do Tex, quando dizia continua no próximo número, pense, na tremenda emoção!

Com o Além das Frentes se tornando uma obra em quadrinhos ele vai passar a ser referência para um novo público. Como vc recebeu essa notícia de que suas canções (e de seus parceiros) iam migrar para uma nova mídia?

Foi tudo muito rápido e imediato, com o Alemberg, naquele alvoroçamento apaixonado dele, nos chegou dizendo ter adquirido lá pela França um livro em quadrinhos das canções de Bob Dylan, e que iria incorporar a ideia com discos chaves da nossa música, como o Avalon, do Abidoral, o Cabelos de Sansão, do Tiago Araripe, dentre outros, e que o Além das Frentes seria o primeiro dos álbuns. Eu não disse nada além de concordar, muito comovido e surpreso com a história toda, ainda a admirar o livro do Bob Dylan que ele trazia. Aos poucos fui chegando à dimensão da ideia, da vocação do Ceará para o desenho, os quadrinhos, que a gente quase nem percebe, mas que é muito forte, que se manifesta nos livros infantis, nas capas do cordel, e são de um encanto e um ludismo incríveis. E vou dizer, assim como virar figura de cordel, você chegar a ver a sua obra perenizada no universo dos quadrinhos, é de deixar qualquer artista em plena festa.

 

O Laboratório Espacial agradece ao Mestre Eugênio pela entrevista e sugere a nossos leitores que criem uma playlist com o material de Eugênio Leandro e se preparem para ouvir aquele tipo de música onde nenhum som e nenhuma palavra é excesso e ao mesmo tempo transcende o significado melódico e lexical indo muito, mas muito Além das Frentes. 

 


 

I Mostra SESC-HQ Pacoti : PROGRAMAÇÃO

 


A I Mostra SESC-HQ Pacoti ocorre de 14 a 16 de outubro em Pacoti-CE. O evento organizado pelo SESC expande os horizondes da Arte Sequencial e põe Pacoti na rota de eventos mundiais voltados para Histórias em Quadrinhos, cartuns e Artes Gráficas. Como convidados internacionais o evento traz ao Brasil o designer, ilustrador e escritor angolano Tche Gourgel e o Diretor do Festival Internacional de Banda desenhada de Beja (portugal), Paulo Monteiro. O evento terá palestras, oficinas e o lançamento do álbum ALÉM DAS FRENTES (Editado por Klévisson Viana). Os autores que colaboraram com o álbum farão palestras sobre seu trabalho e sobre a participação nesta aguardada publicação que transporta para os quadrinhos a musicalidade e regionalidade da obra do músico e produtor cultural Eugênio Leandro (também presente ao evento). A programação tem ainda uma homenagem ao cartunista Hermínio Macedo Castelo Branco, o MINO, um dos mais importantes cartunistas do país, criador do icônico personagem Capitão Rapadura. Abaixo você confere a programação.