O entrevistado desse post é o Músico, Escritor e Produtor Cultural Eugênio Leandro. Um ativo criador de cultura, daqueles cujo trabalho e presença inspiram e cujo papo é também um eterno abrir de janelas neurais. Nada mais justo que as veredas do destino e os ventos austrais o tenham feito aportar neste ambiente criativo e lúdico que é o Laboratório Espacial para um papo que é uma verdadeira aula de cultura, de história da música e de brasilidade.
JJ Marreiro: O Além das Frentes foi seu primeiro
disco?
Eugênio Leandro: Pode-se dizer
que sim, o primeiro disco solo, de 1986. Dois anos antes, em 1984, havia feito
o chamado compacto simples, também em vinil, com 04 faixas, que dividi com Dilson
Pinheiro, grande artista, compositor, poeta, parceiro de muitos shows à época.
Nesse, contei com ajuda de Pedro Julião, um amigo de Limoeiro, que me emprestou
o dinheiro por 6 meses. Foram mil cópias, vendidas todas em três meses, a maior
parte, no lançamento, um forró na AABEC, da turma da Farmácia UFC, colegas do
meu irmão e parceiro Tadeu Costa. Isso me animou a partir para o long play
solo, esse Além das Frentes.
Pelo que sei esse disco marcou época, inspirou e
emocionou muita gente e tornou-se um disco muito importante para música
cearense. Mas você já tinha um histórico de batalha na música antes de lançar
esse disco, não é?!
Tocava violão desde os sete anos, pelo Limoeiro. Mas, saí de lá em 1978, com muitos contos e poemas debaixo do braço, pra tentar mostrar a escritores de Fortaleza, que eu lia de lá, principalmente os da revista O Saco, os 4 Cavaleiros do Apocalipse, Jackson Sampaio, Airton Monte, Carlos Emílio e Manoel Coelho Raposo. Eles me mandaram logo ao Rogaciano Leite, no Jornal O Povo, que podia publicar, e que me botou na roda da boemia da Praia de Iracema, nos festivais de música e no Grupo Siriará de Literatura. Daí, fui colecionando parcerias com ele, com Oswald Barroso, Rosemberg Cariry, Marcio Catunda, Airton Monte, participando ativamente da luta do movimento estudantil, naqueles tempos de repressão, pela volta da democracia, com o Papito, o Nelson Vilela, o Inocêncio Uchoa, o Veveu, a Universitária FM nascendo, pra dar alento a esses alternativos. Todo esse movimento ajudou a gerar diversas produções, entre as quais o Além das Frentes, que foi encampado pelo CA XII de Maio, de Medicina da UFC, presidência de Odorico Monteiro, na época, que possibilitou que o disco fosse levado para todo o Brasil, nas mãos de cada dos 3 mil estudantes do encontro nacional de Medicina em Fortaleza, e mais 3 mil exemplares para lançamento.
De onde surgiu o nome do disco?
As frentes de trabalho, como
forma de auxílio aos desassistidos do campo, em tempos de seca, já existiam, e
eu testemunhava histórias de parentes e amigos do mato de meus pais, que
passavam por casa, presos aquele sistema, coisa altamente clientelista. E por
essa época, lembro que apareceu a tal Frente Democrática, com o Aureliano
Chaves pelo meio, Marco Maciel, Sarney, os coronéis daqui, querendo passar pano
na ditadura, eu assistindo aquilo pelos jornais e já vivendo a luta no dia a
dia, por Fortaleza. Daí, veio essa ideia de além de todas essas tais frentes.
Os artistas normalmente captam ideias e inspirações de diversas fontes. Me perdoe pela pergunta clichê, mas de onde vieram as referências para o Além das Frentes?
Em termos de poesia e música, a
poesia, catei nos livros dos parceiros o que se coadunava com o universo que eu
estava a viver, norteando entre aquele figural juaguaribano já experimentado e
o que encontrava no bojo da luta do universo estudantil e literário de
Fortaleza. Aquilo me movia a inventar um canto. E o que eu tinha, era a
experiência de música mais longeva, do que havia aprendido no Vale, com cantadores,
repentistas, cegos de feira e todo seu figural. Ao mesmo tempo, com cuidado
para não cair no folclore, que eu valoro, mas não queria para o que eu criava.
E saíram essas cantigas assim, meio diferentes. Fui catando instrumentos que eu
imaginava e que via ser possível.
A concepção gráfica e muitas ideias de arranjo do Além das Frentes, assim como
do Catavento, de 1990, foram gestadas junto a Lia Parente, Andrea Santana e a
Nara Vasconcelos, com quem eu namorava, e eram um grude, as três, sempre
reunidas na casa de Emengarda e Eudoro Santana, daí conhecendo o Tiago, o
Camilo Santana, a Bebel, e a minha arte beneficiada por isso tudo, o que
agradeço sempre. Elas simplesmente convenceram o fotógrafo Gentil Barreira a
fazerem, no chão, esse molde de casa de taipa que aparece na capa, coisa de
arquitetas, mesmo. E assim foi.
Quando veio o apoio do CA de Medicina, vimos ser possível a gravação no Rio de
janeiro, o que propiciou tantos nomes nacionais da nossa música, como Jaques
Morelembaum, Oswaldinho, Maestro Nilton Rodrigues, Mauro Senise, dentre outros,
com arranjos do nosso Tarcísio Lima. No Catavento, a mesma luta, dessa vez, com
apoio do CA de Agronomia da UFC, na presidência do Camilo Santana, com fotos do
seu irmão Tiago.
Que outras artes alimentam seu espírito criativo?
O pessoal reclama que eu não me
apresento muito, e acho que seja justamente pelo motivo de que não consigo só
cantar, compor. Acabo me debruçando sobre o escrever, que exige muito quieto,
abstração, além do desejo de promover a arte dos demais, engolido pelas
produções, que todos sabem o quanto necessitam de paixão e afinco, pra arrancar
apoios nesse Ceará.
Quando vc ouve falar de Quadrinhos, o que vem em
mente?
Francamente, hoje, lembrando crianças
como nós, nesses rincões, que tiveram acesso à arte e à leitura pelos
quadrinhos, com toda sua carga de ludismo e encantamento, me vem a imagem de
crianças do tempo das cavernas, na necessidade humana de se expressar, e daí,
criar os seus rabiscos e garatujas nas pedras, pra tentarem dizer uma história.
Interessante que o desenhista da canção Inverno, o Itamar, que não esconde que
é fã do Tex Willer, resolveu me colocar nesses traços; eu, que lia quadrinhos
desde os tempos de Cavaleiro Negro, tinha coleções da Ebal, Epopéia Tri (fui no
google, ver se tinha imagens, vi tudo, ave), do Fantasma, o espírito que anda,
que ficava puto com as histórias do Tex, quando dizia continua no próximo
número, pense, na tremenda emoção!
Com o Além das Frentes se tornando uma obra em quadrinhos ele vai passar
a ser referência para um novo público. Como vc recebeu essa notícia de que suas
canções (e de seus parceiros) iam migrar para uma nova mídia?
Foi tudo muito rápido e imediato, com o Alemberg, naquele alvoroçamento apaixonado dele, nos chegou dizendo ter adquirido lá pela França um livro em quadrinhos das canções de Bob Dylan, e que iria incorporar a ideia com discos chaves da nossa música, como o Avalon, do Abidoral, o Cabelos de Sansão, do Tiago Araripe, dentre outros, e que o Além das Frentes seria o primeiro dos álbuns. Eu não disse nada além de concordar, muito comovido e surpreso com a história toda, ainda a admirar o livro do Bob Dylan que ele trazia. Aos poucos fui chegando à dimensão da ideia, da vocação do Ceará para o desenho, os quadrinhos, que a gente quase nem percebe, mas que é muito forte, que se manifesta nos livros infantis, nas capas do cordel, e são de um encanto e um ludismo incríveis. E vou dizer, assim como virar figura de cordel, você chegar a ver a sua obra perenizada no universo dos quadrinhos, é de deixar qualquer artista em plena festa.
O Laboratório Espacial agradece ao Mestre Eugênio pela entrevista e sugere a nossos leitores que criem uma playlist com o material de Eugênio Leandro e se preparem para ouvir aquele tipo de música onde nenhum som e nenhuma palavra é excesso e ao mesmo tempo transcende o significado melódico e lexical indo muito, mas muito Além das Frentes.
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